Vou mesmo escrever sobre o longa “50 tons de
cinza”? Ousarei? Logo eu? A menina que cresceu no interior da virtuosa Minas
Gerais, numa cidade colonial de antigos costumes preservados, numa rua ao lado
da Catedral, sob o olhar vigilante do vigário mais tradicional da cidade, que
teve a educação religiosa mais rígida nas salas de catecismo com a professora
mais severa que já existiu? Logo eu, católica praticante, que vai a missa
sempre, que carrega um terço na bolsa, que adora uma procissão, uma romaria,
uma festa de santo padroeiro? Eu, toda introspectiva de olhar sério, que exibe
na sala de casa um oratório onde não tem mais espaço pra nenhuma imagem de
Nossa Senhora, que tem tatuado nas costas o escapulário de Nossa Senhora do
Carmo (tatuado!), e que atende pelo mesmo nome da mãe de Jesus??? Tímida e que,
como a protagonista, ruboriza a toa?... Vou escrever sim!
Adélia Prado tem um adorável questionamento: “De que
modo vou abrir a janela, se não for doida? Como a fecharei, se não for santa?”
Mas no caso do livro, e agora filme, acho que não se trata de ser doida (ou
santa!) para ler, gostar, assistir e comentar com as amigas entre risinhos. É
literatura e não adianta torcer o nariz, franzir a testa, porque literatura pra
mim é arte, e arte é algo que te toca, te inquieta, te desconcerta, seja pela
forma de atração ou repulsa! Se o livro ou o filme é raso, é profundo de alguma
forma ao sensibilizar os milhões de leitores, expectadores e adoradores de
Cristhian Grey e Anastasia Steele. E.L. James não é Adélia Prado, mas eu gostei
do livro e do filme também! No entanto só vejo as pessoas comentando mais por
causa das cenas de sexo, e dos estranhos métodos de prática que envolve o ato.
É obvio que as tais cenas são intensas e ninguém deve ficar totalmente à
vontade na poltrona do cinema, por outro lado vi mais que isso! No livro então
muito mais, me chama a atenção uma narrativa muito bem feita e que ainda
envolve outros dois narradores secundários, a ‘deusa interior’ e a
‘consciência’ que travam conflitos interessantes ao longo da trama. Mas talvez
todo o lado apimentado da coisa chame mais atenção pelo apelo diferenciado,
extremamente sedutor, que muito foge do casual, do habitual, é o irrecusável
convite da fantasia, da dupla ‘cavalheirismo encantador’ e ‘brutalidade
repugnante’, do que há de mais secreto e instintivo nos pensamentos de cada um.
Não, não, não! As mocinhas que suspiram por Christian Grey não querem tapas,
puxões ou surras (só as muito doidas!), elas querem o lado explícito, cordial e
totalmente apaixonado do personagem. O resto, ah todo o resto você sabe bem,
guarde em algum lugar mais escondidinho da sua memória, talvez possa ser útil
para relembrar durante um ‘clímax’ da vida!
O que ficou mesmo do
que eu li e assisti (e ainda espero assistir a sequência) é uma história de
amor triste, das mais intensas e antigas, porque envolve exatamente dois dos
ingredientes clássicos do gênero: duas pessoas que se amam muito, mas que por
algum motivo seja ele atípico, estranho, racional, acaso ou trágico, não vão
ficar juntas para sempre!