quarta-feira, 4 de março de 2015

50 tons, por mim


Vou mesmo escrever sobre o longa “50 tons de cinza”? Ousarei? Logo eu? A menina que cresceu no interior da virtuosa Minas Gerais, numa cidade colonial de antigos costumes preservados, numa rua ao lado da Catedral, sob o olhar vigilante do vigário mais tradicional da cidade, que teve a educação religiosa mais rígida nas salas de catecismo com a professora mais severa que já existiu? Logo eu, católica praticante, que vai a missa sempre, que carrega um terço na bolsa, que adora uma procissão, uma romaria, uma festa de santo padroeiro? Eu, toda introspectiva de olhar sério, que exibe na sala de casa um oratório onde não tem mais espaço pra nenhuma imagem de Nossa Senhora, que tem tatuado nas costas o escapulário de Nossa Senhora do Carmo (tatuado!), e que atende pelo mesmo nome da mãe de Jesus??? Tímida e que, como a protagonista, ruboriza a toa?... Vou escrever sim!
Adélia Prado tem um adorável questionamento: “De que modo vou abrir a janela, se não for doida? Como a fecharei, se não for santa?” Mas no caso do livro, e agora filme, acho que não se trata de ser doida (ou santa!) para ler, gostar, assistir e comentar com as amigas entre risinhos. É literatura e não adianta torcer o nariz, franzir a testa, porque literatura pra mim é arte, e arte é algo que te toca, te inquieta, te desconcerta, seja pela forma de atração ou repulsa! Se o livro ou o filme é raso, é profundo de alguma forma ao sensibilizar os milhões de leitores, expectadores e adoradores de Cristhian Grey e Anastasia Steele. E.L. James não é Adélia Prado, mas eu gostei do livro e do filme também! No entanto só vejo as pessoas comentando mais por causa das cenas de sexo, e dos estranhos métodos de prática que envolve o ato. É obvio que as tais cenas são intensas e ninguém deve ficar totalmente à vontade na poltrona do cinema, por outro lado vi mais que isso! No livro então muito mais, me chama a atenção uma narrativa muito bem feita e que ainda envolve outros dois narradores secundários, a ‘deusa interior’ e a ‘consciência’ que travam conflitos interessantes ao longo da trama. Mas talvez todo o lado apimentado da coisa chame mais atenção pelo apelo diferenciado, extremamente sedutor, que muito foge do casual, do habitual, é o irrecusável convite da fantasia, da dupla ‘cavalheirismo encantador’ e ‘brutalidade repugnante’, do que há de mais secreto e instintivo nos pensamentos de cada um. Não, não, não! As mocinhas que suspiram por Christian Grey não querem tapas, puxões ou surras (só as muito doidas!), elas querem o lado explícito, cordial e totalmente apaixonado do personagem. O resto, ah todo o resto você sabe bem, guarde em algum lugar mais escondidinho da sua memória, talvez possa ser útil para relembrar durante um ‘clímax’ da vida!
O que ficou mesmo do que eu li e assisti (e ainda espero assistir a sequência) é uma história de amor triste, das mais intensas e antigas, porque envolve exatamente dois dos ingredientes clássicos do gênero: duas pessoas que se amam muito, mas que por algum motivo seja ele atípico, estranho, racional, acaso ou trágico, não vão ficar juntas para sempre!