quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Fla x Flu

Eu sou Cruzeiro! Não porque meu pai era, mas minha mãe! A primeira vez que fui ao estádio do Mineirão foi ela quem me levou junto com minha madrinha. Como descrever aquela sensação única de se ver o gramado enorme, verde e iluminado, a torcida unida num só grito, tudo pela primeira vez! Não se esquece. E era assim, na minha família as mulheres eram as maiores entusiastas do futebol. Reza a lenda familiar que minha avó materna certa vez estava um tanto exaltada com o juiz do clássico ‘Minas e Athletic’ e acabou sendo expulsa do campo.
Meu pai preferia falar de outras coisas e fazer outras coisas muito mais importantes, de acordo com seu julgamento, que torcer para um time. O que ele mais temia numa roda de amigos era que se começasse a discutir sobre as ‘últimas’ do esporte, ele certamente ficaria sem dar opinião. Durante uma partida em que todos estivessem ligados na TV reclamando enfurecidos um pênalti não marcado ou um chute pra fora, meu pai se limitava a dizer, sei lá porque: “Joga no miolo, tem que jogar no miolo”. Mas da época da Copa ele gostava, mas só porque gostava de festa.
Bom, mas pela minha mãe e pelos meus três irmãos, desde pequena eu gosto de futebol. Como é de tradição são-joanense, dois de meus irmãos torciam pelos times do Rio, um flamenguista e o outro tricolor, lembrando que o coração de todos era azul. E daí começou meu fascínio pelo clássico carioca mais comentado, mais charmoso, tenso, cheio de mandingas e histórias, o mais descrito por jornalistas como Mário Rodrigues Filho e posteriormente por Nelson Rodrigues: o FlaxFlu. A partida que mais atrai as multidões, que mais vende jornais e rende audiência. Gigante, pungente, o duelo bateu o recorde mundial de público em partidas entre clubes com 194.603 espectadores, na final do Campeonato Carioca de 1963.
Nem ‘Grenal’, muito menos ‘Bavi’ ou até mesmo o temido ‘atlético e cruzeiro’ me arrebata tanto.
Vejo a torcida rubro-negra loucamente apaixonada, aguerrida, atrevida, um amor sem regras e pudores, cheio de altos e baixos, mas presente e eterno.
Já a torcida ‘pó de arroz’ do Fluminense parece-me adorar com um sentimento mais centrado, pés no chão, contida e ausente por vezes e quando convém explosivamente e elegantemente eufórica. Posso comparar o Fla x Flu ao inesgotável debate entre e a emoção e a razão, a paixão e a lucidez. A turma do urubu é marginalizada, abrangente nas classes desfavorecidas, já a do cartola está acima, como se descendesse de família nobre, vista num pedestal social que ninguém sabe como foi alcançado.
Ah como é delirantemente tentador o furor de um flamenguista e como é agradavelmente pacificador o carinho de um tricolor!
Lamartine Babo me sentenciou que uma vez flamengo, sempre flamengo, flamengo sempre hei de ser, é meu maior prazer. Mas também deixou claro que sou tricolor de coração, sou do clube tantas vezes campeão, fascina pela disciplina, o fluminense me domina.
Nas alturas do campeonato para qual time você torce? Para o rubro-negro chegar ao G4 ou para o tricolor não ser rebaixado (se é que isto ainda é possível)?
Eu? Eu sou Cruzeiro!!!

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Legado


Belo Horizonte: A silhueta dos prédios na avenida Raja Gabaglia com o pôr do sol. Belo! Sion e três vezes Santo Antônio. Meu irmão e o Mineirão. Doloroso e solitário. Talvez por ser a primeira, talvez por estar tão perto de São João del Rei, mas a capital mineira foi para mim árdua adaptação. Mas eu fiz quatro intensas e perpétuas amizades: Angélica, Denise, Márcia e Juliana! Aprendi a comer brócolis com a Josi, estudei publicidade, jornalismo e ganhei diplomas.
Resende: As águas ligeiras do Rio Paraíba do Sul vistas da minha janela. Da minha janela os carros velozes da Via Dutra. A vida não pára e a Dutra também não. Ao redor, altas montanhas e a cidade de Penedo com colonização Finlandesa. Na sala do apartamento pintei uma parede de verde. Fiz duas ou três amizades, aprendi fazer desenhos com o CorelDraw, aprendi um pouco de francês.
Lorena: Como a gente foi parar naquela cidade, onde ficava? Ficou saudades pra mim! Eu adorei aquele lugar pacato do interior de São Paulo. Ali parou para descansar o bendito desbravador taubateano Tomé Portes del Rei, para seguir para as Minas Gerias, e depois fundar São João del Rei. Carrego comigo o gosto do pastel de nata, o ar fresco que corria na casa antiga de teto alto e grandes janelas, a amizade de Marlene, e a sabedoria de gente simples que me ensinou a bordar. Fiz mais uma ou duas amizades e com Betina aprendi que calda de chocolate fica mais suave com creme de leite! Continuei a aprender francês. Na sala eu pintei uma parede de verde, no quintal derrubamos o muro que tampava o jardim, plantei grama e hortelã. O quintal era grande e vazio então veio o meu bulldog, Monti. E tudo ficou pleno. Um banheiro antigo cor de rosa, ficou suave e branco. As mangueiras por trás dos muros anunciavam as estações, o pé de acerola carregado de preciosos frutos adocicava com acidez o paladar, o meu coração provou do sossego como poucas vezes.
Rio de Janeiro: O subúrbio. Uma outra visão de cidade maravilhosa. Tudo longe e muito perto, minha prima amada. Eu tinha a praia, e almoços de domingo na sogra. Eu conquistei a mais importante das conquistas, uma amizade sincera e rica, uma alegria de viver ao lado de Priscila. Nas palestras do curso para ‘atualização da mulher’ aprendi muito mais que o ensinado, a lição foi dada pela convivência com outras meninas, de tantos outros lugares. Aprendi a correr, ganhei minha primeira medalha e um secador da cabelos.Na sala do apartamento eu não pintei uma parede de verde, porque seria só um ano.
Vila Velha: Linda! Tão sonhada... estou aqui agora! E posso fazer tudo diferente, embora já tenha pintado uma parede de verde e outra de lilás no quarto. Fizemos uma grande reforma, fiz uma ou duas amizades. Pratico Pilates, tenho a praia perto, a visão onipresente do Covento da Penha, muita poeira com minério da Vale, um vento desconcertantemente freqüente e um calor que eu adoro!
‘Nossa casa é nossa casa em qualquer lugar, basta fechar a porta’ disse uma vez um amigo também nesta vida de mudanças. Mas e nós? Somos os mesmos? Não desejo fechar a porta para os lugares em que habito. É preciso se doar, se reinventar, se deixar ser invadido, conquistar, passear por adjacências, conhecer gente, costumes, provar sabores. Aprendi que melhor que deixar paredes coloridas é deixar um pouco do que tem de bom dentro de si, dividir um ensinamento, um sentimento, e viver uma amizade com toda sua poderosa força! Essa amizade não é sempre que se encontra, mas me comprometo sempre a tentar!
Será que em algum destes lugares alguém aprendeu alguma coisa boa, tirada da minha essência? Deixei escapar algumas atitudes provenientes das minhas qualidades e será que alguém recolheu algo apropriado? E se eu, na condição de frágil ser humano, por ventura deixei cair de mim sentimentos pequenos, e provoquei mágoas e rancores, eu peço a Deus que eu não os repita jamais!
Sigo na mudança, para onde o destino convidar, na esperança de aumentar a fé e a generosidade, de deixar mais e poder voltar para minha São João del Rei com uma pesada bagagem de lembranças únicas e com o corpo leve. E eu rertornarei porque é em São João del Rei que está minha família, meus eternos amigos são-joanenses, meu lar sem paredes e portas. Onde eu caminho, respiro, e sorvo com toda força do meu ‘eu’ verdadeiro que está em cada esquina, em cada banco de igreja, em cada melodia ressonante do período colonial, nas montanhas do Lenheiro, o 'eu' mineiro sempre, intenso, sagrado e profano.
Foto: A parede pintada de verde da casa de Lorena-SP