segunda-feira, 29 de junho de 2009

Como ela é

Ela é tímida e por isso aos olhos de muitos é arrogante. Mas é simples, ama a vida nos seus detalhes mais singelos, mais cotidianos e naturalmente simples. Gosta de falar com Deus, bordar flores, tomar café com sequilhos, ver filme romântico, novela das seis e aprender a falar francês.
Tem uma saudade enorme de todas as conversas que não teve com os pais. Vai sempre sentir falta do frio, do cheiro, das ruas, dos sinos e do entardecer da bela terra onde nasceu. Lá sonhava morar e envelhecer num sobrado que virou museu, e agora?
Ela queria sorrir mais e bater papo com qualquer pessoa pela rua, mas ela (introvertida) não é assim. Se não é de prosa, é então de poesia, de ouvir história, de música bossa nova e samba de Cartola.
Apaixonada: Pelos irmãos, pelos sobrinhos, sobrinhas e um bulldog. Gosta de ficar na janela para ver a chuva chegar e perfumar o ar com aroma de grama molhada e à noite ver a lua inundar o vale ou com sorte fazer um pedido à estrela cadente. É de surpresa, o que der na telha, de veneta, de viajar, andar no mato até a cachoeira dos seus desejos. Mas é também de razão, de ponderação, de querer comer mais trufas de chocolate, mas ficar apenas com duas ou três. É às vezes de sonhar até a imaginação permitir ou até o dia raiar. E também de saber a hora de deixar certos sonhos de lado, no telhado.
Ela tem na lembrança um gosto louco de madrugada e no presente um beijo doce de manhã.
Aos amigos dedica tempo, carinho, divide dores e também segredos. Divide o ombro, oferece o braço, o consolo e o perdão.
Não dá para ser tudo, ela sabe, mas dá pra buscar dias mansos, de sol e mar, de risadas. Não dá para acertar sempre o tom, mas dá pra buscar respeitar a composição do outro nas suas limitações, desafinos e defeitos. Não dá para ser feliz em todos os momentos da vida, mas dá pra buscar renascer em um segundo, procurar ajuda, mudar o que está errado e enxugar as lágrimas. Não dá para ser o que se deseja, mas dá pra ‘buscar ser’ na medida do possível e às vezes do impossível.
Ela sabe que há de se ter também sorte, bom humor, cultivar boa saúde, a fé na vida, no amanhã! E há de se plantar sabedoria para colher vitórias, mas também lidar com as pragas, frustrações, perdas e tempestades de granizo.
E assim ela vai descendo e subindo o morro, sem usar salto alto para não cansar os pés, sem esperar a compreensão de todos, mas com um brilho no olhar, um grito na garganta, um feitiço na manga, um coração disposto e um arco-íris no bolso.
Melhor ser um dia de cada vez, assim ela é!

Foto: A rica grade portuguesa do sonhado sobrado dela em São João del Rei, por Kiko Neto

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Sentença que não se aceita e fim

Manhã de quinta pós-carnaval. O celular no silencioso. Nunca ligavam àquela hora, mas se acontecesse, não queria que tocasse no meio da aula, é muito chato. Não sei porque resolvi olhar. Uma chamada não atendida. Era a Lê, minha amiga. Estranho. Resolvi ligar, devia ser algo relevante. Era. Ela me contou sobre a Roberta. Aos 27 anos, casamento marcado, ela foi encontrada no seu banheiro em meio a lençóis e remédios. Era bonita, cabelos longos, lisos e pretos, lábios muito vivos. Determinada. Falava alto e tinha voz rouca, entende? Risada espalhafatosa, mas risada de verdade, aquelas que se dá com vontade e se dobra para trás. Deu para imaginar como era pessoa de presença?
Não lembro como nos tornamos amigas, mas era bom. Ela fazia calda de chocolate e colocava em cima do biscoito Maria, mania. Eu lembro exatamente o jeito como ela arrumava os fios de cabelo da sua franja. Na nossa famosa foto de 15 anos, era a única de luvas e pose de modelo, timidez ela nunca soube o que era. Inteligente. Trazia consigo a audácia, a polêmica e a arrogância, tanta que às vezes até irritava. Sua nota tinha que de ser a melhor e era. Uma vez a desafiei para um teste de conhecimentos gerais com 40 perguntas, coisa de criança. Nem precisa dizer que ela se saiu melhor, fiquei com cara de boba.
Lembro de uma madrugada que me encontrou triste e aconselhou: Não dependa de ninguém para ser feliz, busque construir sua própria felicidade! Gravei a frase na alma, pelo conteúdo e pelo carinho. Mas e ela, não lembrava mais desta frase?
Batalhou o sonho de ser promotora, estudou muito, perseverou, sacrificou sábados de sol, noitadas com a galera. Conseguiu, venceu! Tequila na comemoração. Estávamos todos orgulhosos dela. Foi profissional notável, destemida, exagerada e repreendida, seu jeito, enfim. Comprou briga até com prefeito. Tinha um Brava, era da pá-virada e fazia barraco por ciúmes sim. Mas iria se casar. Essa é a Ró, sempre será, minha amiga. E essa é sua história.
Ficam as saudades especiais, gostosas, destas que só se tem quando se passa uma adolescência inteira juntas. Tantas viagens, conversas e segredos. O último encontro foi no teatro, monólogo de Elisa Lucinda, estava de férias, feliz. Repito e grito: Estava feliz!
Que estúpido, Ró! Estou com raiva de você, estou com dor, estou sem te ver!
Não pude ir... Dizem que estava serena, de terninho azul. Margaridas no pescoço.
Incrédulo! Fui no outro dia e vi as muitas coroas.
Que impotência! Que angustia não entender!
A Karine, outra amiga, ligou para desabafar, se sentia um pouco culpada.
“Nos distanciamos, talvez com uma única conversa tudo se resolveria...” chorou ao telefone. Mas você Ró, se apresentava sempre tão forte, tão enorme, tão muralha, como imaginar que algo tão violento estivesse tomando sua mente?
Para você, uma Ave Maria e minha eterna lembrança. E para todo mundo, um aviso: Por favor, estou aqui, se algo te aflige, vem e me conta!

Escrita em 2002, ano em que ficamos sem a Ró.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

De papel no céu

Esses pássaros de papel... Bailam no fim da tarde num céu tingido de anil e com nuvens de fogo. Bailam para você e para mim! Bailam em bandos nos arredores da Gameleira, Araçá, Águas Férreas, nas escadarias das Mercês, bailam nos morros, do Bonfim e Senhor do Montes, bailam. É dança embalada pelo vento, ao sussurro do vento, o vento como par. Corta o céu em pontos de outras cores, em vôos ligeiros e faceiros, alucina os meninos, desperta o encanto da infância nos adultos. Festa do firmamento, alegoria do outono, animação matreira nas alturas da minha cidade.
Esses lúdicos pássaros de papel, eu lembro... Estão no chão do corredor, na linha de montagem, a tesoura vencendo a seda em cores vivas, a cola branca unindo, facas afinando gravetos, as linhas transpassando, amarrando e arrematando, as tiras de plástico ganhando nós numa longa calda franjada, a lata de óleo vazia que se torna grande carretel. Meninos em algazarra, o sorriso é fácil, tecem planos de vôo, desafios, manobras. Eu sou menina não posso brincar, sirvo só para ajudar na decolagem. Ela, a pipa, em minhas mãos, segura e erguida pela ponta até o instante poderoso de um bom sopro de vento. E ele vem, bate, leva e nos liberta da sede de pequenos aviadores. Subimos com ela, hipnotizados, numa saborosa pressa de ganhar as nuvens. O menino a conduz, pilota com orgulho, empina, se contorce, corre, foge, busca, cruza e apenas um vence a guerra inocente. Ouço a lata de óleo cair ao chão, os braços em frenético movimento puxam o quanto podem, num ato desesperado de quem tenta salvar seu passarinho que, como filhote, não aprendeu ainda as malícias do céu. Sem maestro, sem rumo, cai papagaio na antena do vizinho e lá vai ficar num movimento de coreografia triste, conformada, sem fascínio, sem compasso, preso à solidão. É agora, em vareta de bambu e papel rasgado, o quadro da desolação de um moleque que viu o sonho de voar chegar ao fim. Não houve o regresso às mãos, de nada adiantaram seus comandos e esforços, fim da linha e no fim da linha, nada. Mas outros virão, e irão decolar, povoar os fins de tarde, flutuar, brincar e cair. Comprados no Bar do Português com o escudo do time de coração, fabricados em casa ou não, de seda da papelaria, de seda de escrever carta, de seda da caixa de sapato, ou ainda bem improvisado, de folha de caderno. Já foram em maior número, pois os brinquedos e entretenimentos de hoje são outros... Mas soltar pipa no computador não tem graça, não tem cabimento, não há como 'fabricar' tal sensação, não existe esse jogo.
Então olhe para o céu, é julho, temporada dos pássaros de papel!